Fevereiro 2022 - Por: Dra. Paula Cureau de Bessa Antunes

Reajuste de plano de saúde por faixa etária

 
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Em 1º de fevereiro de 2022, às 14h, foi aberto o ano judiciário de 2022 no Superior Tribunal de Justiça, em sessão realizada por sua Corte Especial. Como a cada início de ano forense, muitas expectativas são criadas em relação a temas relevantes, não só para a advocacia, mas à sociedade como um todo.
No âmbito da saúde, a Segunda Seção deverá prosseguir com o julgamento do Tema 1.016, atinente ao reajuste por faixa de etária pelos planos de saúde, o qual foi suspenso por pedido de vista da ministra Nancy Andrighi e do ministro Villas Bôas Cueva.
Relembrando o caso, quando do julgamento do REsp nº 1.715.798/RS, em 04/06/2019, o ministro relator, Paulo de Tarso Sanseverino, propôs a afetação do recurso especial ao rito do artigo 1.016 do Código de Processo Civil para, em conjunto com os REsps 1.728.839/SP, 1.726.285/SP; 1.716.113/DF; 1.721.776/SP e;  .723.727/SP, formar precedente qualificado sobre as seguintes questões:
a) a validade da cláusula contratual de plano de saúde coletivo que prevê reajuste por faixa etária e;
b) o ônus da prova da base atuarial do reajuste.
Com efeito, a validade do reajuste por faixa etária em plano individuais e familiares já havia sido enfrentada pela Corte Superior do STJ, com o Tema Repetitivo nº 952, em que restou firmada a seguinte tese: “O reajuste de mensalidade de plano de saúde individual ou familiar fundado na mudança de faixa etária do beneficiário é válido desde que (i) haja previsão contratual, (ii) sejam observadas as normas expedidas pelos órgãos governamentais reguladores e (iii) não sejam aplicados percentuais desarrazoados ou aleatórios que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso”.
Porém, a tese firmada deixou de abranger os reajustes praticados pelos planos de saúde coletivos o que demanda a atuação específica do Tribunal da Cidadania.
Ressalta-se que a questão já foi decidida pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que, ao instaurar Incidente de Demandas Repetitivas (IRDR) nº 11, firmou duas teses, sendo a primeira:
“TESE 1 – É válido, em tese, o reajuste por mudança de faixa etária aos 59 (cinquenta e nove) anos de idade, nos contratos coletivos de plano de saúde (empresarial ou por adesão), celebrados a partir de 01.01.2004 ou adaptados à Resolução nº 63/03, da ANS, desde que (I) previsto em cláusula contratual clara, expressa e inteligível, contendo as faixas etárias e os percentuais aplicáveis a cada uma delas, (II) estes estejam em consonância com a Resolução nº 63/03, da ANS, e (III) não sejam aplicados percentuais desarrazoados que, concretamente e sem base atuarial idônea, onerem excessivamente o consumidor ou discriminem o idoso”.
Explica-se, nesse ponto, que a Resolução Normativa nº 63/03, citada na Tese 1 firmada pelo TJSP, define os limites a serem observados para adoção de variação de preço por faixa etária nos planos privados de assistência à saúde contratados a partir de 1º de janeiro de 2004. Dentre alguns critérios, a Resolução estabelece quais as faixas etárias a serem adotadas, dispõe que o valor fixado para a última faixa etária não poderá ser superior a seis vezes o valor da primeira, que a variação acumulada entre a sétima e a décima faixa não poderá ser superior à variação acumulada entre a primeira e a sétima faixa e que as variações por mudança de faixa etária não poderão apresentar percentuais negativos.
A segunda tese fixada no IRDR foi a seguinte: “TESE 2 – A interpretação correta do art. 3º, II, da Resolução nº 63/03, da ANS, é aquela que observa o sentido matemático da expressão “variação acumulada”, referente ao aumento real de preço verificado em cada intervalo, devendo-se aplicar, para sua apuração, a respectiva fórmula matemática, estando incorreta a soma aritmética de percentuais de reajuste ou o cálculo de média dos percentuais aplicados em todas as faixas etárias”.
Em seu voto pela afetação do Tema, o ministro Paulo de Tarso dispôs que “o direito de assistência à saúde é uma emanação do princípio da dignidade da pessoa humana, e  como tal merece um tratamento uniforme pelo Judiciário, para se evitar, de um lado o sacrifício de direito tão caro ao ser humano, e, de outro o comprometimento do mutualismo que assegura as coberturas oferecidas pelos planos de saúde”.
Ainda, o relator justificou cada uma das controvérsias propostas. Em relação à validade da cláusula de reajuste por faixa etária, em que pese já tenha sido firmado entendimento no Tema 952/STJ, e mesmo já havendo uma jurisprudência pacificada no Tribunal Superior de sua aplicação aos contratos coletivos, tal não obsta a subida de recursos à Corte para tratar da questão, eis que apenas uma tese firmada em julgamento repetitivo autoriza os Tribunais de apelação a submeterem recursos especiais ao juízo de conformação/retratação previsto no art. 1.040 do CPC.
Por outro lado, existe entendimento no Superior Tribunal de Justiça de que a abusividade do reajuste não pode ser declarada com base em mera “afirmação genérica” da inadequação dos índices praticados.
Desta forma, o ônus da prova da base atuarial do reajuste é uma questão processual que deriva diretamente da primeira controvérsia, entendendo o ministro relator pela necessidade de firmar precedente qualificado para se evitar que a questão processual conduza a resultadosnão uniformes durante a aplicação da tese a ser firmada.
A questão analisada é de tamanha relevância social que, em 10/02/2020, foi realizada audiência pública para discuti-la. Na oportunidade foram ouvidos advogados, economistas, membros do Ministério Público, da Defensoria Pública, representantes da ANS, representantes das operadoras de saúde e outros membros da sociedade civil.
A sustentabilidade das empresas e os direitos dos idosos foram os principais pontos do debate. A representante do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) destacou a necessidade de se considerar a hiper vulnerabilidade do consumidor idoso nos  planos de saúde, apontando que as pessoas com mais de 59 anos representam o segundo maior público do mercado, atrás apenas da faixa etária entre 0 e 18 anos.
O representante do Grupo de Atuação Estratégica da Defensoria Pública do Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais defendeu que os mecanismos utilizados pelas operadoras não levam em consideração o tempo durante o qual o usuário utiliza o plano e eixam os os beneficiários sem assistência devido aos aumentos abusivos ao longo do tempo de uso.
O procurador da República, Fabiano de Moraes, ressaltou, igualmente, que, mesmo com o avanço legislativo, a falta de previsão de limites entre as faixas etárias resultou em aumentos concentrados nas últimas faixas, o que inviabilizou a permanência de muitos idosos nos planos.
Por outro lado, o economista Sandro Leal Alves, da Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), apontou o aumento exponencial dos gastos conforme o avanço da idade, o que justifica a diferença no preço.
O economista José Cechin, do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar, frisou que o Brasil tem um problema de política pública a ser resolvido, não sendo possível afirmar que o reajuste dos preços para os idosos seja abusivo, pois as atualizações sequer cobrem os custos das operadoras.
Por sua vez, o representante da ANS dispôs sobre a validade da cláusula de reajuste, pois o próprio legislador trouxe proteção aos idosos com mais de 60 anos que estejam nos planos de saúde há mais de dez anos. Isso porque, a Lei nº 9.656/98, conhecida como a Lei dos Planos de Saúde, em seu artigo 15, parágrafo único, veda a variação das contraprestações pecuniárias para consumidores com mais de sessenta anos de idade, que participarem dos produtos previstos na referida lei há mais de dez anos.
Após a realização da audiência pública, o julgamento do Tema 1.016 iniciou-se em 24/11/2021, tendo sido proferido apenas o voto do ministro relator, que propôs a fixação da tese repetitiva, com pedido de vista conjunta pelos ministros Nancy Andrighi e Villas Bôas Cueva, conforme já informado.
A discussão será retomada pelo STJ em 09/02/2022 e, segundo o Banco Nacional de Demandas Repetitivas do Conselho Nacional de Justiça, pelo menos 9 mil ações estão suspensas em todo o país aguardando a tese a ser firmada.

SOBRE A AUTORA:
Dra. Paula Cureau de Bessa Antunes é Coordenadora do Núcleo de Saúde Suplementar do NWADV Brasília.

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